segunda-feira, 15 de abril de 2013

... Joana Vaz Teixeira

Foto de Manuela São Simão

Joana Vaz Teixeira, 32 anos, a viver em Londres há mais de 6 anos, decide despedir-se de um emprego “estável” e fazer uma viagem de 2 meses e meio pela América Latina.
Uma viagem que a mudou como pessoa e como ser humano: hoje, usufrui mais do Presente, dá mais valor ao tempo que partilha com as pessoas que ama… ultrapassou medos, manias e preconceitos. É, hoje, uma mulher mais madura e que vive no Agora.
Loucura ou arriscar a viver?
Acho que, a conversa e as imagens vão valer bem a pena…
Antes de mais e para fazer um enquadramento no que te levou a fazer um corte com um tipo de vida, para fazer um intervalo de viagens….o que te impeliu, há uns anos, a sair de Portugal e ir viver para Londres?

Eu fui para Londres em Fevereiro de 2007 por dois grandes motivos: um de carácter pessoal e outro profissional.
Desde os tempos em que estudava na Faculdade de Economia do Porto que ambicionava ir para Londres estudar ou trabalhar; queria testar-me e ver se conseguia "safar-me" noutro país. O ter-me apaixonado por uma pessoa que morava em Londres fez-me fazer as malas e ir.

Que mais-valias te trouxe esta cidade?

Em seis anos cresci muito.
Fui para uma cidade onde conhecia apenas duas pessoas: o meu namorado e o colega de casa -dois portugueses de Lisboa a viver em Londres há já alguns anos.
Foi a minha emancipação, a saída da casa dos pais.
Tive de aprender a fazer muitas coisas sozinha, ou sem ajuda de pais e amigos.
A cidade de Londres é fantástica, cheia de oportunidades a nível profissional e com muitas actividades para os tempos de lazer, mas é também uma imensa cidade fria, com muitas pessoas que estão apenas de passagem.
Facilmente arranjas o que eu chamo "amigos de pub" com quem podes ir tomar uns copos no final do trabalho, mas encontrar amigos para ter uma conversa mais profunda e para te ajudarem quando estás mais em baixo, já é mais difícil.
Eu tinha uma rede imensa de amigos de longa data aqui no Porto e separar-me fisicamente deles foi muito doloroso e demorei anos a fazer amigos de verdade em Londres (Passei a valorizar de uma forma muito especial os meus amigos e os momentos que passo com eles).
Viver em Londres ajudou-me a ser mais "desenrascada".
Diz-se que os portugueses são muito desenrascados mas não vejo isso nos meus amigos. Acho que, talvez as gerações mais velhas sejam, mas a minha definitivamente não é: as gerações pós-25 de Abril foram muito protegidas e estamos sempre a correr para debaixo das asas dos pais que nos socorrem sempre.  
Londres ensinou-me a ser mais tolerante: numa cidade de mais de 8 milhões de habitantes existem muitos emigrantes e filhos de emigrantes; é uma cidade onde se falam mais de 300 línguas. Isso faz com que trabalhes com pessoas de diferentes culturas e backgrounds.
Tens, por exemplo, restaurantes de todo o mundo. Eu habituei-me a jantar em restaurantes indianos, vietnamitas, japoneses, tailandeses, até cheguei a ir a um etíope (onde se come deliciosamente e com as mãos - não há talheres).
Era frequente estar numa festa com australianos, italianos, escoceses, americanos, indianos, columbianos e, claro ingleses e portugueses. Tens cinema, espectáculos de dança, teatro, concertos, e uma oferta imensa da qual não consegues usufruir na totalidade pois no mesmo dia acontecem mil e uma coisas.
A outra mais-valia de Londres é que te permite viajar facilmente para tantos destinos: a Easyjet sai do Porto para 6 destinos e de Londres para cerca de 110.
Para quem adora viajar, como eu, isto é um paraíso de possibilidades. Um dia saí de Londres de manhã com dois amigos e fomos passar o dia a Bruxelas. Voltamos ao final do dia - de Eurostar são pouco mais de duas horas. Passeamos pela cidade de café e snacks na mão, a tirar fotos e a conversar. Um dia espectacular!
Viver em Londres tornou a relação com os meus pais e o meu irmão mais forte e intíma, passei a procurar estar com eles sempre que vinha ao Porto, a ter o tradicional almoço de família, mas também a fazer programas com eles, como ir passear pela Ribeira do Porto ou ir até ao Gerês. No fundo, passei a procurar ter tempo de qualidade com eles.

Em Londres, com casa alugada, amigos e emprego….muita gente te terá apelidado de “louca” por te despedires para viajares 2 meses e meio pela América Latina? Foi apelo? Foi destino? O que te fez “embarcar” numa viagem completamente desprogramada ( tu, que és tão organizada, metódica, sempre cheia de “to to lists”)?

Curiosamente não.
De todas as pessoas que me rodeiam (em Londres e Portugal) apenas uma me apelidou de louca.
Em Londres é mais ou menos normal as pessoas despedirem-se para procurarem empregos melhores ou para procurarem um novo rumo. 
Obviamente que vivemos num contexto económico e financeiro complexo e em que as oportunidades de emprego escasseiam. Mas eu acredito que as oportunidades vão surgindo se formos pacientes. E acredito ainda mais na necessidade de escutarmos o nosso coração e a nossa mente e realizarmos os nossos objectivos, sejam eles de carácter pessoal ou profissional. E viajar pela América Latina várias semanas era um objectivo. Assim, na altura em que senti que o meu projecto em Londres estava a chegar a uma fase derradeira, comecei a pensar em fazer uma pausa na carreira para me focar nalguns projectos mais pessoais. Em meados de Julho de 2012 um dos meus melhores amigos disse-me que se tinha despedido e que ia viajar durante cinco meses pela América Latina. E eu decidi juntar-me a ele.
Não fizemos grandes planos, de facto. O meu último dia de trabalho foi a 17 de Agosto e compramos as viagens de ida a 30 de Agosto.
A data escolhida foi 1 de Outubro e optamos por Lima para começar pois era o vôo mais em conta. Um mês apenas entre o dia em que compramos as viagens de ida e o dia da partida (uma das últimas coisas que fiz na manhã de dia 1 de Outubro foi comprar o vôo de regresso). Isso fez com que não houvesse muito tempo para planear. Tive de vender a minha mobilia, empacotar todas as minhas coisas, arranjar acomodação para as cerca de 50 caixas de bens materiais acumulados em 6 anos, tive de fazer as compras para a viagem (mochila, repelente, casaco corta-chuva, botas de caminhada, etc), fazer seguro de viagem, tomar as vacinas necessárias para ires para estes países (febre amarela, malária, febre tifóide, etc), e isto tudo enquanto viajava pela Europa em fins-de-semana prolongados que já estavam planeados e enquanto fazia sessões de maquilhagem e fotografia para uma amiga que estava a fazer um portfólio nessa área. E assim pouco tempo sobrou para ler sobre os países e para planear. Li sobre o Perú e sobre a Bolívia. Sabia que ia aterrar em Lima. Não sabia quantos dias ia ficar em cada cidade. E não sabia bem que países iria visitar além do Perú e da Bolívia. Aliás, quando entramos no Chile e chegamos à cidade de San Pedro de Atacama não fazíamos ideia do que fazer, que sítios visitar. Mas aí já nos tínhamos cruzado com outros viajantes e já tínhamos dicas de sítios a visitar. Em San Pedro de Atacama fomos a uma agência de camionagem munidos de um mapa do Chile e pedimos que nos indicassem locais a visitar na costa do Chile, seguindo viagem.
Como observaste e bem, eu sou imensamente metódica e organizada. Nas minhas viagens anteriores e nas minhas férias sempre organizei tudo com muita antecedência, como marcar hotéis e planear os dias com visitas a museus e igrejas, e com os trajectos delineados.
Aqui fui à aventura, com muito pouco planeamento. Não marcamos nenhum hostel com antecedência - apenas o de Buenos Aires, pois aconselharam-nos a fazê-lo ( Eu acho que, quando vais de viagem várias semanas, o melhor é não teres nenhum compromisso que te faça ter de estar num certo sítio a certa hora - excepto a viagem de regresso - O melhor é teres a liberdade de chegares a uma cidade e adorares e decidires ficar mais dias do que o inicialmente planeado). Eu fui para Buenos Aires com a ideia de ficar lá 4 ou 5 dias e fiquei mais de 10…
O contrário também é válido, pois se chegares a um sítio que não te agrada, podes apanhar a primeira camioneta disponível e sair de lá. O não ter tudo planeado de antecedência ajudou-me a aprender a ser mais descontraída, a não estar sempre a pensar no futuro e no que aí vem e a usufruir mais o presente.  

Perú, Bolívia, Chile, Argentina, Uruguai, Iguaçu, Paraguay….a mescla de histórias e culturas dá um livro…. O que mais gostaste? Que país/ cultura mais te fascinou e porquê?

Não consigo eleger um país ou uma cultura que me tenha agradado mais. Posso-te falar de algumas das coisas que mais gostei de ver e viver.
O Machu Picchu e a caminhada nos dias que antecedeu a entrada no complexo foram maravilhosos - apesar de eu ter ficado doente com uma intoxicação alimentar que me fez passar um dia inteiro sem comida enquanto caminhava 7 horas.  




O Lago Titicaca na fronteira Perú-Bolívia é lindissimo e as ilhas de ambos os lados são deliciosas.




A viagem de comboio que fiz de Cusco a Puno, atravessando os Andes, foi mágica.



O deserto de Uyuni é maravilhoso e a imensidão de branco é indiscritivel (deserto de sal).



A visita às minas de Potosi foi intensa, e até de rastos andei em alguns dos corredores usados pelos mineiros.




Ver o pôr-do-sol no deserto de Atacama foi uma experiência linda que recordarei sempre com muito carinho.



Valparaíso foi uma agradável surpresa com muita street art (que eu adoro), comida deliciosa e o primeiro café "decente" que tomei na América Latina.



Santiago do Chile foi fantástico pois é uma cidade muito simpática, cosmopolita, e onde finalmente encontrei sol e tempo de verão.




A viagem de Santiago (Chile) para Mendoza (Argentina) deixou-me de boca aberta depois de quase 30 curvas a subir os Alpes.



O dia em que andei de bicicleta em Mendoza ao visitar as quintas de produção de vinho, cerveza artesanal e compotas foi divertidissimo.




Buenos Aires é delicioso com o seu ar europeu mas o toque sul- americano… - ser galanteador é um estado de espirito e um estilo de vida. Adorei os mercados de rua, os restaurantes, os cafés, a street art, e a mescla de gente em BA.



Colónia do Sacramento, no Uruguai, é uma pérola preservada pelo tempo - uma cidade fundada pelos portugueses há cerca de 500 anos para ter acesso ao comércio que se fazia no Mar da Prata na costa de BA.



Adorei a imponência das Cataratas de Iguaçu, onde decidimos ir à última da hora.




Assunción, a capital do Paraguai, onde passei dois dias a sofrer com o calor e a humidade mas onde caminhei pela cidade o tempo todo e onde me senti estranhamente em casa.



Salta, no norte da Argentina com paisagens naturais de te deixar sem palavras.



Arequipa no Perú e o Colca Canyon, onde fiquei num oásis chamado Paraíso.



O meu último dia na América Latina, com um passeio de bicicleta por Lima.
As pessoas que conheci - os locais e os viajantes….


São países muito “coloridos” e ricos em artesanato….
Se tivesses que “pintar” cada um dos locais que visitaste com uma palavra, qual seria?

É dificil. Do que eu vi na América Latina acho que comum a todos os sítios que passei é a cor e alegria. Vi cor em todo lado: no artesanato, nas casas, e até na comida. Existem sítios muito pobres mas vês as pessoas com um sorriso nos lábios, a serem felizes. Quem me dera ver os portugueses mais sorridentes e coloridos.


Em algum momento da viagem te arrependeste ou tiveste algum medo que te fizesse querer voltar a casa?

Nunca. Nunca me arrependi da minha decisão de me despedir, entregar a casa que tinha alugado com amigos e ir viajar.
Nem durante a viagem nem depois.
E não tive nenhum medo nem nenhum receio que me tenha feito sentir vontade de voltar.
Pelo contrário, em Dezembro, só me apetecia continuar a viagem.

Que medos ultrapassaste?

Ultrapassei alguns medos, de facto. E alguns "pre-conceitos" ou "manias". Tinha imenso medo de voar e depois de duas viagens de 13 horas, já não estou tão assustada...
A primeira vez que atravessei uma ponte velha no Perú que abanava por "todos os lados" ia ficando petrificada de medo. Na minha última semana no Perú já saltava no meio das pontes que abanam. Habituei-me a comer em sítios no meio da estrada e no meio da montanha. Deixei de me preocupar se a cama em que eu durmia estava feita com roupa lavada ou não - o importante era ter uma cama para dormir, e não ser feita de cimento (como me aconteceu no deserto do sul da Bolivia). Tornei-me mais descontraída e paciente - na América Latina tudo funciona com um ritmo muito próprio e se todos os dias insistires em te comportares como europeu que és, vais-te desgastar, porque as coisas não mudam só para te fazer feliz. Tu é que tens que mudar e te adaptar.
Depois de ter saído à noite pela primeira vez usando uns ténis “all star” sujos e meios esburacados, as calças que usava durante o dia e um top simples, deixei de me preocupar com as "produções para sair à noite", que tanto tempo nos fazem perder.

Sentes que estes países poderão ser o futuro para novas gerações?

Sem dúvida, e a prová-lo está o facto de eu ter conhecido imensos portugueses a morar e trabalhar em Lima, no Perú.
Por muitos sítios que passei, nomeadamente no Perú, Bolívia e Paraguai ainda há muito para fazer. São países muito pobres, com falta de infra-estruturas e onde o conhecimento, o “know-how”, e pessoas especializadas fazem falta e são muito valiosas (E são sítios maravilhosos para se ter uma experiência de vida).
Em 2 meses e meio, eu habituei-me a viver com pouco: sinto falta de abrir a mochila e ter à minha escolha 3 pares de calças e 5 t-shirts.


Tenho saudades de ir para a montanha onde não há internet, electricidade, iphones.
Nós, na Europa, somos muito "mimados" e preocupamo-nos constantemente com coisas com as quais nem devíamos perder tempo a pensar. A meu ver, mais grave que a crise económica e financeira, é a crise de valores que atravessamos, e acho que experiências como a que eu tive nesta viagem ajudam a relativizar certas coisas e ajudam a encontrar o nosso centro.
Ando a ler um livro chamado Spark your dream de Candelaria & Herman Zapp e acho que esta passagem resume bem o que eu pretendo ilustrar:
"Gula, do you know why the condors can fly and we can't?" I ask him
"Because they possess wings. We instead have hands that we want to fill with many things that don't let us fly."

Esta viagem mudou-te, como pessoa?

Sim, mudou. Eu saí de Londres em Outubro de 2012 a pensar que ia voltar para lá no início de 2013 e retomar a minha vida.
A viagem fez-me perceber que não quero a minha vida de Londres como ela era.
Fez-me perceber certas coisas acerca de mim que eu desconhecia. Aliás, acho que qualquer pessoa que faz este tipo de viagem descobre coisas sobre si mesmo e volta diferente.
É impossível voltares igual.

Regressas a Portugal e ingressas num curso de fotografia, revês amigos, vives o Agora….e planos para o futuro?

Neste momento não tenho planos para o futuro.
Estou a fazer um curso de fotografia, pois sou muito amadora e uma das minhas resoluções de Ano Novo (influência londrina a fazer resoluções de “próximo ano”) foi aprender e desenvolver a técnica. Estou a fazer voluntariado no IPO.
Estou a aproveitar para estar com os meus amigos (alguns que não via há anos!!!
Estou a redescobrir a minha cidade, o Porto, que adoro.
Estou a pensar no meu futuro.
A pesquisar.
Estou a escrever um livro sobre a minha viagem.
Estou a viver um dia de cada vez e não me vou precipitar a tomar decisões, pois é importante arriscar e procurar ser feliz.

E o que te faz SER Feliz?

Eu sou feliz com uma máquina fotográfica na mão.
Eu sou feliz no meio dos meus amigos e da minha família.
Eu sou feliz com um livro e um café ou um chá ao lado.
Eu sou feliz a escrever.
Eu sou feliz a amar.
Eu sou feliz a entrar num avião e IR… 

Obrigada, Joana….iremos cruzar-nos, certamente, em próximas viagens….