Dezembro é
um mês quentinho de afectos, magia e presentes.
Para este
mês, escolhi como entrevistada, a doce Vera de Vilhena, que acaba de lançar “A
Ilha de Melquisedech” ( o primeiro volume de uma trilogia).
Vamos fazer
magia e imaginar uma casa no campo, rodeada de silêncio, um vale em tons de
verde e infinito, uma lareira, um chá bem quente e óptima companhia…
Esta
conversa é tão bonita… espreitem só….
Quem é Vera de
Vilhena?
Ui, uma pergunta
difícil logo para começar! (risos) Posso responder com biografia-relâmpago.
Sou a mais nova
de cinco irmãos, filha de um oficial da Marinha. Nasci e vivi em Lisboa,
passava os fins de semana e os verões perto de Sesimbra, no campo e junto ao
mar.
Comecei a
trabalhar aos 19 anos, estudei turismo que nunca exerci, porque a vida me
empurrou para a música. Em 2002 fui eu que me empurrei para a escrita. Mas
continuo a cantar, é claro. Felizmente, são duas actividades perfeitamente
conciliáveis. Sou mãe de um rapaz com 18 anos, uma sentimental sem remédio, mas
também muito crítica, às vezes; dizem que sou doce (risos). Sou preguiçosa,
distraída, espirituosa, mimuças, tímida mas disfarço bem e tenho um péssimo
sentido de orientação: acho que os meus pais se esqueceram de me instalar o GPS
quando me fizeram: perco-me nos lugares mais improváveis.
O público ainda
tem muito presente a sua imagem como cantora residente nos Programas
televisivos de Júlio Isidro, ao domingo à tarde… o que surgiu primeiro na sua
vida? A música ou a escrita?
A música teve,
desde muito cedo, um papel muito importante para mim: cresci a ouvir os discos
dos meus pais: Ella Fitzgerald, Vinicius e Toquinho, Gal Costa, Sinatra, Carole
King, Paul Simon, Paul Williams… mas ao mesmo tempo, desde a adolescência, sempre
me resguardei nos diários e fui escrevinhando uns versos horríveis (risos),
cheios de pontos de exclamação!!! e reticências… … e lia muito, leio desde que
me lembro. Aos 12, 13 anos já corria as obras completas do Eça, aos 15 li
Sartre e Kafka, as memórias da Simone de Beauvoir, enfim, era um bicho, para
alguns dos meus amigos. Quem escreve precisa de alimentar-se com livros, é
normal.
Ainda em criança
desafiavam-me para cantar; cheguei a tocar umas coisas em flauta, a tirar
melodias de ouvido, como o Hino da Alegria, de Bethoven ou o Bolero de Ravel,
com 12 anos; aos 15 recebi uma guitarra acústica com cordas de nylon e compus
uns temazitos: a viola foi uma passagem interessante para explorar melhor a
voz, mas cedo descobri que não tinha talento nem paciência suficientes para
trabalhar devidamente o instrumento: esse passou a ser a voz, desde que o Júlio
Isidro me convidou para integrar a banda de cantores residentes do “Regresso ao
Passado”, em 1989, estava eu a cantar em bares à noite, para ganhar uns trocos
para os alfinetes, sem sequer fazer tenções de ser cantora profissional.
“Regresso ao Passado – com Rita Guerra e Isabel
Campelo”
“Regresso ao Passado – penso que um sonho più cosi
no rittorni mai”
“Cruzeiros no Paquete Funchal”
A relação com a
escrita desenvolveu-se a partir de 2002, despoletada pelos caprichos do meu
filho. Partilho essa história na biografia que consta no meu site. Depois, o
facto de ter tido uma espécie de emprego no casino do Estoril, durante 6 anos,
onde cantava temas de bossa-nova de soft-jazz com um quarteto, permitiu-me
escrever, pois deu-me uma paz de espírito, em termos financeiros, que eu não
sabia ser possível para quem é músico ou cantor profissional na minha área. Foi
então que comecei a escrever ficções mais longas: tinha tempo e disponibilidade
mental: estava em paz para escrever.
Onde vai buscar a
inspiração?
As pessoas têm
ideias muito românticas em relação a isso. No meu caso, tal como no de muitos
escritores, a coisa funciona mais na base do princípio: Quando a inspiração
chegar, irá encontrar-me a trabalhar. É preciso escrever. Escrever muito. E ler
mais ainda. A escrita é um músculo que deve ser exercitado regularmente. É
evidente que preciso de certas condições para me concentrar: trabalho no meu
pequeno escritório instalado numa casa virada para um vale e tenho um luxo que
poucos têm: silêncio.
Se os cães se
portarem bem, podem deitar-se ao pé de mim. De resto, a solidão e o silêncio
são os melhores motores. Para criar ambiente, recorro por vezes a uma vela
aromática e a compositores como Debussy, Danny Elfman, Howard Shore, John
Williams, John Lunn… têm bandas sonoras fantásticas, instrumentais que são,
para mim, o ideal para escrever: se houver voz, desconcentro-me! Em termos de
ideias para escrita…tudo! Qualquer coisa é passível de ser tema de um texto:
pessoas, coisas, lugares, sentimentos, histórias, memórias…um par de sapatos ou
uma fechadura podem dar um excelente conto. Disso só depende o autor.
Como nasceram
todos os projectos literários ( escrita de livros, criação de blogue, revisão
de textos, oficinas e cursos de escrita criativa)?
Ui, outra pergunta
difícil! Vamos por partes, como dizia Jack the Ripper (risos): criei o blogue
pouco depois de me mudar para o campo, assim que tive um computador decente:
nasceu da necessidade de escrever, de ter um canto virtual a nível diário que
me obrigasse a “ginasticar” a escrita com alguma regularidade. O blogue? aqui: http://veravilhena.blogspot.pt/
Os livros? É
sabido, o normal: aparecem-nos histórias e personagens que ficam durante meses,
anos, a puxar-nos a manga do casaco, até que nos sentemos a escrever. Só então
temos paz e podemos seguir rumo a outra coisa qualquer. O trabalho como
revisora de texto surgiu como consequência de começarem a pedir-me para o fazer
a título gratuito: revi um, depois outro, depois outro…até que um dia disse:
chega. O trabalho paga-se. E comecei a cobrar. Outra coisa que costumo dizer e
que é extensível à música e comum a tantos colegas meus na escrita e na música:
não me peçam para dar a única coisa que tenho para vender. É que as pessoas
esquecem-se, às vezes, que este é o nosso oficio, a nossa profissão (ou
profissões): sim, estamos ligados às artes, sim, trabalhamos durante o lazer
dos outros, sim, adoramos o que fazemos, e, precisamente por isso, andamos
muitas vezes na corda bamba, sem saber como será o mês seguinte; por isso, tal
como outra pessoa qualquer, temos de ser pagos. A sério, bato-me muito por
isso. Em fotografia, música, literatura, etc, há muitos pedidos de borlas! E
nós também temos contas a chegar pelo correio.
As oficinas de
escrita criativa foram fruto dessa mesma necessidade: o improviso em épocas de
pouco trabalho. Deu certo. Comecei a ter convites, a elaborar oficinas
temáticas e descobri que era algo que gostava de fazer também.
Mas é raro, desde
2009, tenho feito apenas duas ou três por ano. Recentemente venci o problema da
distância de potenciais interessados, dando aulas online. Já tive um aluno que
mora em Londres.
Também escreveu
duas letras para o álbum “Luar” da Rita Guerra… aliam-se aqui amizade, música e
escrita?
Olha, uma
pergunta de resposta rápida! (risos). Sim, claro! Eu e a Rita conhecemo-nos há
mais de 20 anos e ela tem acompanhado o meu percurso, tal como eu acompanho a
carreira dela: o cruzamento era inevitável, foi um convite natural e uma boa
experiência. No entanto não me considero compositora mas sim letrista.
Album “Luar” da Rita Guerra
Tema "Noite e Lua". Link:
“A Ilha de
Melquisedech”… um livro que chega no mês do Natal… que presente é este? O que
nos oferece esta “ilha”?
São 505 páginas
de evasão e de magia. Acho que todos nós temos vontade de fugir, de vez em
quando, para mundos impossíveis e perfeitos. O tema da utopia foi explorado
desde Thomas More, no séc. XVI, até ao romance “As três Sereias”, de Irving
Wallace, que li aos 15 anos e que me marcou bastante. Mas a Ilha de Melquisedech,
apesar de parecer, num primeiro olhar, uma narrativa para adolescentes, pode
perfeitamente seduzir os adultos, como aliás tem acontecido: não só porque
todos temos, dentro de nós, a criança que fomos, como também este romance de
fantasia não é tão inocente como isso. Fui escrevendo a história recorrendo a
personagens que se multiplicaram para me servir, e recorri a muitos elementos
da mitologia nórdica e helénica, que me pareceram absolutamente irresistíveis.
Há igualmente uma espécie de homenagens a jogos e ofícios tradicionais que
estão a desaparecer na era moderna e que eu quis recuperar, além de que se
encaixavam como luva neste cenário suspenso no tempo. E espero que os leitores
se divirtam e encantem tanto como eu, ao escrever este livro que andou comigo
durante mais de dez anos.
Onde podemos
adquirir este livro de fantasia?
É uma edição da
Chiado Editora, pelo que o livro será apresentado às livrarias do comércio
tradicional e aos grandes grupos comerciais (Fnac, Sonae, El Corte Inglês,
Bertrand e Bulhosa) que farão encomenda da obra se ela tiver procura. De
qualquer forma, o livro estará sempre disponível em qualquer balcão, através de
encomenda. Online, podem encontrá-lo no site da Chiado Editora, na Wook, na Bertrand
Online e no Sítio do Livro. Eu própria tenho também alguns exemplares comigo,
que posso (não por muito mais tempo, pois estão a esgotar-se, felizmente!)
fazer chegar aos leitores, com a justa dedicatória e sem portes de correio: por
isso escolhi a época de Natal.
No Brasil, a
Chiado trabalha também através de pedidos de clientes com a Livraria Cultura e
Livraria Saraiva, pelo que o meu livro fica disponível no catálogo deles (em
loja e online) e sempre que alguém encomenda a editora procede ao envio dos
livros pedidos. O que é uma vantagem em relação às editoras tradicionais. Já
tenho encomendas do Brasil! O que é muito bom e surpreendente, confesso.
A Vera vive na
Ericeira e partilha a vida com Nanã Sousa Dias… este é o “casamento” perfeito?
A inspiração mais bonita? Afinal, o encanto da Ericeira fala por si e o músico
e compositor embalam uma cultura e um gosto que vai ao encontro do muito que
vem construindo no seu caminho…
Sim, claro, ambos
gostamos de estar perto do mar e da vida no campo, por isso a zona da Ericeira
e o concelho de Mafra, não sendo muito distantes de Lisboa, oferecem-nos ambas
as paisagens e uma boa qualidade de vida. A costa abunda em praias excelentes
para o Nanã fotografar (faz fotografia Fine Art, a preto & branco, de médio
e grande formato, e revela em casa, no laboratório, além de dar workshops aqui
também, no estúdio dele, onde já fez muitas capas de discos – Rui Veloso, Rita
Guerra, Paulo Gonzo etc – o que seria impossível, se tivéssemos um apartamento
na capital ou na linha do Estoril).
Além disso, como
músico, pode estudar saxofone às horas que bem entender, sem vizinhos a bater
com a vassoura no tecto (risos): é que o senhor tem um tórax de meter respeito!
Por vezes só não é o “casamento perfeito” quando eu pretendo escrever e ele
decide estudar barítono… nesse caso, salva-me o volume das colunas do
computador (risos), ou, sei lá, vou lavar a loiça ou brincar com os cães até
que passe.
O que lhe
oferecem as fotografias e as músicas de Nanã?
As fotografias?
Muito. O Nanã tem um gosto e uma estética irrepreensíveis, além de saber a
sério do seu ofício. Quanto a retrato, as melhores fotografias que tenho foram
tiradas por ele. Quase todas.
Como saxofonista
não é tanto “a música”, mas a sua forma de tocar. O Nanã é extraordinariamente
versátil nos géneros de música e especializou-se como solista e improvisador:
nunca toca um tema da mesma maneira e quando a noite “lhe corre bem” eu
lembro-me que ele continua a ser o meu saxofonista preferido (risos)!
Onde poderemos
ler a Vera-escritora?
Bom, além de
poderem comprar o meu novo livro (risos), podem seguir o site e o blogue. (site:
http://veravilh.wix.com/gavetas-e-gavetinhas) Por aí poderão
manter-se actualizados quanto ao que vou fazendo e escrevendo, além da página
de facebook, claro.
Aproxima-se o
Natal… um momento quentinho de afectos e reflexão… o que lhe traz esta quadra?
O frio! (risos).
Sou muito friorenta. Adoro decorações natalícias, quando são bonitas. Fico
embevecida com certas imagens cheias de dourados, encarnados, verdes-escuros,
roupas quentinhas com estrelas de neve, casinhas de chaminés fumegantes, bolos
de gengibre e todo o imaginário infantil. Sou uma criança sem remédio, que não
cresce: uma Peter Pina (risos). E adoro os filmes de natal, cheios de coisas
inúteis e de fantasia. Precisamos muito de magia nas nossas vidas. De resto, o
Natal é a consoladora antecipação de rever a família, com quem não estou tantas
vezes quanto desejava e, é evidente, tenho a perspectiva de engordar dois
quilos: está marcado na agenda (risos).
Projectos para
2014…
Emagrecer dois
quilos. Continuar a escrever o segundo volume d’ “A Ilha de Melquisedech”. Ir
às escolas, que já me lançaram alguns convites. E, lá para a primavera, irá
sair um outro livro, intitulado “Coisandês – A vida nas coisas”. É um conjunto
de contos para adolescentes, que ganhou o Prémio Revelação APE/Babel e que,
finalmente, será publicado a tempo da Feira do Livro de Lisboa. Irá ter também,
à semelhança da Ilha de M., ilustrações da Vanessa Bettencourt. Na música
pretendo continuar a cantar bossa-nova e soft-jazz, a não ser que me apareça
algo de novo que me apeteça cantar.
Transmite a
imagem de uma mulher muito doce e serena. O permanente contacto com a natureza
ajuda?
A doçura é
crónica, nada a fazer (risos). Caí num caldeirão de mel quando era pequenina.
Serena? Eu? Não sei, talvez. Nem sempre. Preciso da inquietude da cidade de vez
em quando, mas rapidamente preciso de voltar a ser flor silvestre e regressar a
casa, para junto das árvores, do vale, dos cheiros, do silêncio, dos bichos
(pássaros, corujas, vacas, ovelhas, corvos, raposas, coelhos,
saca-rabos…ninguém sabe o que é um “saca-rabo”, mas há aqui e são muito
engraçados, uma espécie de texugos).
O que a faz SER
Feliz?
Ver felizes
aqueles que amo, fazê-los felizes, estar com a família e os amigos, ter sonhos,
organizar projectos impossíveis, receber mimos, ver coisas boas a acontecer à
minha volta e sentir que vale a pena. Seja o que for. Que valha a pena, pois as
conquistas mais difíceis são as que têm melhor sabor. Um cliché e uma grande
verdade.
Vera de Vilhena… um nome e um rosto a não
esquecer…
Sejam felizes!