quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Claudia Madeira...


 
 
Aproxima-se o Natal e, com ele, serões de conversa à lareira, com boa música e um coração quentinho.

Para esta Quadra, plena de afectos, fomos aos fados e sentamo-nos, à conversa, com a bonita Claudia Madeira - uma mulher do norte, imensa, intensa, cheia de valor e caminho feito.

No silêncio que o fado seduz e requer, o Conversas Felizes partilha este presente com os seus leitores, desejando um Santo Natal e um ano cheio de Paz, muita saúde e, claro está, muitas conversas que nos façam sorrir e possam dar a conhecer pessoas com histórias felizes.

Por agora, apreciemos esta voz que nos chega de uma alma plena de amor…
Quando começou o teu percurso? Que idade tinhas?
Eu comecei a cantar muito jovem. Estudei num colégio, onde nos incentivavam a escrever e a produzir os nossos próprios temas. Todos os anos havia um festival e ainda hoje tenho guardados os troféus dos primeiros lugares, melhor poema e melhor interpretação.  
Tens saudades do tempo em que cantavas no meio das vinhas, para o teu pai, nas escarpas do Douro?
Tenho imensas saudades de cantar com o meu pai no meio das vinhas. Costumo dizer que era feliz e não sabia.
Eu e o meu pai fazíamos o par perfeito a cantar os nossos fados. Eram tempos d'ouro! Infelizmente, o meu pai deixou-me a melhor herança do mundo, mas já não está comigo para vivermos este fado juntos.
 
 
Já escreveste a letra de algum Fado?
Já escrevi vários poemas, mas estão guardados na gaveta.
Não sou sificientement arisca para ocupar o lugar dos grandes poetas que temos.
Mas, em breve, irei gravar um de que gosto bastante.
Chama-se "mãos distraídas"... é pessoal e especial!
Fala-me do teu projecto “Fado fora de portas”…
"Fado fora de portas" é o meu primeiro trabalho discográfico.
Algo com que sonhei muito e desejei com todas as minhas forças. Dei-lhe esse nome porque era a expressão que os fadistas de Lisboa usavam, quando iam actuar fora da cidade.
Ora, sendo eu transmontana, com poemas de Isidoro Cavaco - que é algarvio - e músicos de Lisboa, não havia melhor título para definir esse trabalho.
 
Houve sempre uma tendência natural para o Fado ou acontece mais tarde?
Cresci a ouvir Amália Rodrigues, Fernando Farinha, Max. Portanto, a tendência era cantar sempre Fado.
Mesmo quando cantava outras músicas, dava sempre um jeito floreado e, mesmo na Igreja, cantava sempre com "rodriguinhos". Desde cedo, as pessoas começaram a chamar-me de "fadista".
De todos os géneros musicais, o Fado é aquele que mais te preenche e realiza?
Percebi, com 9 anos, ao cantar "o fado das trincheiras", durante um almoço, e sem acompanhamento, que o Fado seria sempre o meu caminho.
As lágrimas, o silêncio de quem escutava, eram o sinal de que estava no sonho certo.
Já fiz esta pergunta mas, torna-se difícil não a repetir… há uma nova geração de fadistas a encher as salas de espectáculo. O fado está na moda ou veio para ficar?
Para mim, é complicado responder a esta pergunta, porque o fado, na minha opiniao, sempre esteve na moda e era quase como um modo de vida. Até tinha vergonha de cantar para os amigos da minha idade, porque pensava que iam gozar comigo. Mas, rapidamente me apercebi que eram eles quem me pedia para cantar Fado.
Espero que, o Fado fique para sempre, não podemos perder a nossa identidade.
 
 
Fala-nos da tua passagem pela Operação Triunfo... o que te levou a concorrer, o que aprendeste, a convivência com professores como a Maria João e a Paula Oliveira...
 
A minha passagem pela OT acontece em 2007.
Fui inscrita pelo meu namorado, porque sempre foram os outros a acreditar mais no meu talento do que eu própria.
Estive no programa durante 6 semanas e foi das melhores experiências da minha vida!
De todos os professores, guardo um carinho especial pela Professora Helena Vieira. Éramos os meninos dela e era ela que nos dava "aquele abraço" que ajudava a descomprimir do peso dos programas em directo.
Após a minha saída, ainda tive o privilégio de ser convidada para ser vocalista da Banda da Praça da Alegria. Só me trouxe coisas boas mas, talvez hoje, com mais maturidade, aproveitasse as coisas de forma diferente.
 
Como é que a Claudia Madeira, fadista e ex-concorrente da OT, vê este género de concursos, que se multiplicam e mostram sempre vozes fantásticas?
Confesso que, não tenho muito tempo para acompanhar os programas do género.
A minha vida é uma correria.
Mas, posso deixar uma mensagem aos concorrentes... lutem, lutem muito! Se queres, faz acontecer, porque ninguém dá nada a ninguém e o programa é só o princípio.
Ninguém dá nada a ninguém e o mundo da música é uma paixão, mas também uma luta constante.

Que cuidados tens com a voz? És acompanhada por algum profissional?
Tenho cuidados muito básicos, sou uma desnaturada.
Bebo muita água, tento dormir 7 horas por dia e, a partir das 18:00 não como alimentos ácidos, nem bebo leite.
Sou fumadora, mas prometo, um dia, deixar de fumar.
Por agora, faz parte...
Nunca tive aulas de canto, tenho apenas que aproveitar este dom que Deus me deu.

Tens alguma pessoa, no mundo da música, que admires muito?
Sou fã incondicional do fadista Ricardo Ribeiro.
Ele é tão imponente que lhe basta entrar em palco e eu fico arrepiada só de ver aquela figura, que é fado dos pés à cabeça.
Costumo brincar e dizer que, quando for grande, quero ser como ele.

O saldo destes anos dedicados à música, é positivo?
É tão positivo que digo orgulhosamente que há duas coisas que me fazem feliz: os meus filhos e o palco.
Fazem com que a caminhada diária valha sempre a pena.
 
 

 

Fazes projectos para o teu futuro ou vives um dia de cada vez?
Sou uma pessoa cheia de sonhos e projectos.
Aprendi, desde muito cedo que, se queo algo, tenho de fazer com que aconteça. Não me posso dar ao luxo de esperar para que o dia de amanhã me brinde com algo.
Sempre na luta, não sei estar parada.
O tempo é escasso e... eu vivo da música!
 
O que te falta como fadista?
O meu objectivo, enquanto fadista, é que as pessoas não me reconheçam apenas a voz e o rosto, mas que consigam reconhecer-me a alma. O resto, virá por acréscimo. Quem sabe, um dia, cante no Coliseu do Porto... Sonhos...
 

Como se divide o coração com dois filhos pequenos e digressões pelo mundo fora?
Não é fácil dividir o coração entre os meus filhos e as saídas para fazer espectáculos. Mas, sei que só uma mãe pode transmitir e permitir que os filhos sejam felizes também.
O Martim e o Eduardo estão a ser educados para que cresçam com vontade de atingir os próprios objectivos e sonhos.
Também não quero que se prendam por mim quando forem adultos.
Quando regresso, dão-me os melhores abraços do mundo.
O Martim quer aprender a tocar guitarra portuguesa e canta comigo os fados todos.
O Eduardo faz beicinho sempre que canto um fado triste.
São especiais e, apesar de por vezes estar quinze dias fora, estou sempre presente através das novas tecnologias e, quando chego, compenso sempre o mais que posso.
 
 

 




Como é cantar fora de Portugal? Os emigrantes vivem o Fado de forma diferente?
Cantar fora de Portugal tem uma carga emocional muito grande.
Apesar de, hoje em dia, ser mais fácil do que antigamente apanhar um avião e vir matar saudades, os nossos emigrantes trabalham muito e não têm tempo para isso.
Quando recebem um artista de Portugal, recebem-nos de braços abertos, olham-nos com sede de matar saudades do cantinho deles. E nós, artistas, carregamos nos ombros essa responsabilidade. Dar e receber. É especial, diferente e único.


E os estrangeiros no nosso país? Como reagem quando cantas?
Os estrangeiros que me ouvem cantar o fado no nosso país têm atitudes que me enchem o coração!
Tento explicar, em inglês ou francês, o que vou cantar.
O Fado e a música, em geral, têm a facilidade de transmitir sentimentos, mesmo que não se perceba a língua.
Guardo no meu coração uma frase especial de um senhor da Argentina. Veio ter comigo, no final de um espectáculo. Estava lavado em lágrimas e, a soluçar, disse-me: "o seu pai não a pode ouvir, mas eu pude e tenho orgulho nisso"...
Ganhei o dia e mais vontade de continuar.
 
Onde é que as gentes do Porto podem ouvir o teu Fado?
As gentes do Porto podem ouvir-me cantar frequentemente no "Santo Fado", na Rua do Almada, e no "Postigo do Carvão", na Ribeira do Porto.
Apesar de ser orgulhosamente transmontana, o Porto é a cidade encantada da minha vida!
 
 
Para além da música, e da família, mais alguma actividade que te deixe de coração cheio?
Dedico-me a ajudar causas humanitárias e à angariação de fundos para pessoas com necessidades especiais. Não faço publicidade disso porque cresci a ouvir: " dá com a mão direita, sem que a esquerda veja"!
 
O que te faz SER FELIZ?
Há muitas coisas que me fazem feliz e me fazem lutar para ser feliz todos os dias!
Gosto muito da pessoa que sou e tenho orgulho nas minhas raízes e no meu percurso.
Os meus filhos enchem-me os dias de alegrias.
Adoro viajar, estar com os meus amigos, cantar, passear na praia...
Sou Feliz com coisas muito simples... basta-me o cheiro a terra molhada, num dia de Verão.
Dizem que, os fadistas são tristes ( o que não deixa de ser verdade) mas, o fundamental é que vale a pena, e aí reside a verdadeira felicidade!
 
Obrigada, querida Claudia, por esta conversa dentro de portas para um mundo que precisa sentir e viver com mais esperança!
Foi um olhar para dentro, uma partilha, um elo que se irá estender ao longo do teu caminho como fadista, mulher e mãe.
Muita sorte!
E, agora, silêncio, que se vai cantar o Fado!
Boas Festas!
 
Inês